VAMOS Brincar?

Algo deu errado no vôo e ela caiu na terra,na queda perdeu suas asas e foi condenada a viver entre nós durante uma existência. O mal nunca a atingiu,porque ela nunca soube o que era maldade.

Domingo era dia de visita a vovó, uma senhora severa e amorosa, cedo éramos esfregados e colocados em nossas melhores roupas.
Ficávamos perfilados de olhos baixos,papai também ficava,enquanto a velha senhora nos inspecionava.
Tia Nêla ficava ao seu lado,roupas de senhora,mas  era uma de nós, o brilho daquele olhar a denunciava ,mal aguentando o momento de sermos liberados e irmos brincar.
Tinha uns 40 anos mas a mentalidade era de 5,e assim seria por toda a vida.
-Vamos brincar?
Nos convidava e corríamos, tantas aventuras,o som cristalino de sua risada nos acompanhava o dia inteiro.
Papai nos obrigava a pedir bênção e beijar sua mão, não entendíamos nada ,se era criança!
Na hora de voltarmos ela ficava no portão num desconsolo tão dolorido, um poço de tristeza nos olhinhos azuis.
Tinha semanas que ela ia a nossa casa,todo momento ela parava e ficava encantada com uma flor,um passarinho, pegávamos sua mão e a puxávamos:
Vamos,Tia Nêla!
O tempo passou inexoravelmente, a avó morreu, papai morreu,nós crescemos,fomos pra outras cidades.
Ela ficou.
Sempre com 5 anos.
Sua casa foi destruída, uma irmã passou a cuidar dela.
Muitos e muitos anos se passaram, em visita a minha cidade, fui ver minha tia criança,abri a porta e numa cama rodeada de bonecas estava uma velhinha,magrinha,cabelinhos branquinhos,dormindo,agora ela passa a maior parte do tempo num sono letárgico.
Ela esta ganhando asas pra poder voltar pra casa.
Pego sua mão encarquilhada,beijo.
A bênção,Tia Nêla. Falo baixinho.E choro,choro pela criança que eu era e morreu ,choro pela criança deitada que estava partin
do.
Bem devagarinho abre os olhinhos azuis desbotados,o brilho,eu vi o brilho! !
Era a menininha de sempre!
Percebo que quer falar algo,aproximo meu ouvido de sua boca,num sussurro sofrido ela me diz:
-Vamos brincar?
E dorme novamente.

                              FIM.

 
tia Nêla voltou pra casa essa semana e levou junto parte do meu coração.