terça-feira, 29 de junho de 2010

Uma capivara em frente a Loja Colombo





Tinha tudo para ser um dia normal, o sol como sempre, nasceu para todos, os trabalhadores já acordavam, numa sinfonia de descargas, escovações, libações, enfim, tudo igual. A rua Andrade Neves também espreguiçava-se e preparava-se para receber seus milhões de carros,pedestres,bondes,empresas de ônibus municipal,estadual,nacional,internacional ,cachorros sarnentos e famintos,carroças puxadas e conduzidas por burros,bêbados,vagabundos,moças tristes e alegres,moços e moçoilos,todos numa pressa adoidada como se fossem tirar o pai da forca e em alguns casos para levá-lo.

Eu ia calmamente com meu ipod a todo volume chegando a balançar minhas orelhas, que alias, não são pequenas, não era bem um ipod, mas um radinho comprado no 1,99,naquele momento escutava uma musica pra La de moderna techno-pop chamada Severina Xique-Xique,com o astro das multidões Genival Lacerda.

Da esquina percebi uma movimentação estranha,todos que chegavam na vitrina da Colombo atravessavam a rua gritando,senhoras idosas que se arrastavam corriam mais que Robsom Caetano,mulheres gritavam mais que sirene de ambulância conduzindo enfartado,homens machos caiam no chão e choravam pedindo socorro,passou por mim um jovem emo,homo e demo,com seu cabelo pranchado esvoaçando,até meu amigo Diovane praticamente um guri,com sua calça esquiner,bem apertadinha,aparecendo a barra da cueca de marca(saquinho de cebola)aparecendo,com sua camisa mais apertada que véia que comeu feijoada a meia noite.

Eu fiquei muito curioso, o que não é de minha personalidade e fui contra a correnteza de gente, aproximando-me da vitrina da Colombo e bem no centro eu avistei uma capivara enorme, gorda, com um descomunal rabo balançando, a pelagem amarela com toques azulados, escorada nas patas traseiras, as dianteiras no vidro olhando calmamente alheia a balburdia que causava. Então encostou duas viaturas da brigada mais cinco caminhões de bombeiros,os soldados vinham com laços,redes,dardos tranqüilizantes,o silencio tomou conta da avenida mundialmente famosa,inclusive o cavalo de D.Pedro cagou nela,o que nos enche de orgulho,não se ouvia um pio,dava pra se cortar a tensão com uma faca de serrinha,então se ouviu um grito agudo:

_Matem este biço, nozento!!!!!

Todas as cabeças se viraram, era um moçoilo com reflexo e luzes nos cabelos, com um piercing nas ventas, fofinho. Neste momento aproveitando a distração a capivara saiu numa disparada,correndo a mil por hora,quando nos demos conta só vimos a ponta do rabo na esquina e nunca mais vimos o roedor.

Voltamos a nossa pressa, cada um pro seu canto, cada um pra suas tarefas. Este fato aconteceu realmente,eu juro,vocês tem minha palavra de honra.

Muito tempo depois fiquei sabendo o que aconteceu,um caminhão de arroz foi buscar uma carga num silo e a capivara subiu sem ninguém ver na caçamba,quando passou em frente a Colombo,viu na vitrina um tapete felpudo e confundindo com um animal de sua espécie pulou pra fora parando na vitrina.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Meu amigo Magrão

o relógio me acorda num barulho estridente,afasto o cobertor.Banho,café,com a mochila nas costas sigo pro frigorífico.Absorto,vejo as pessoas passarem por mim com cara de sono,semblantes amarrados,como se não vissem as maravilhas que o dia nos reserva,o sol,os amigos.
No portão cumprimento o vigia e ao entrar no pátio lá está ele em frente ao almoxerifado, jaleco azul,cabelos cor de prata,um free nos dedos.
_Fátima,diz um número!
_Três!
_È teu,pode levar,chegou a trava!
 Eu sorrio,abano a cabeça e desço pro meu setor,o dia começou bem.
 O nome é Jorge,mas todos o conhecem por magrão,talvez numa época ele tenha sido magro ele diz que sim mas eu tenho dúvidas.O melhor eletrecista que já conheci,eu trabalho com máquinas e pra elas funcionarem eu preciso dele,então nossos serviços são interligados,pelo menos eu preciso dele,ocasionalmente ele pedia minha ajuda,geralmente prá segurar uma escada,alcançar uma chave.Quando eu preciso dele geralmente tenho que marchar com cigarro,que criatura filona,uma rapadura,um bolo pro café,mas sempre posso contar com ele,sempre,sempre rindo,brincando e assim nesta mistura de trabalho e diversão passaram-se um,dois,cinco,dez,vinte anos.Vinte anos de amizade,de muito riso,muito trabalho,aprendi muito com ele,sobre trabalho e principalmente sobre a vida.Enfrentamos chuva,frio,calor mas sempre com muita alegria.
Um dia estávamos no pátio e ele me disse que estava com uma dor no lado do corpo eu pedi que  fosse ao médico porque já tinha tido problemas algum tempo atrás,os amigos da firma também pediram mas ele não deu importância,numa tarde ele não aguentou a dor e o levaram pro hospital ,passaram-se os dias e ele nada de melhorar,eu tinha plena convicção que voltaria a ser tudo como era.
Eu estava dentro da empresa quando nosso encarregado me disse:
_O magrão morreu .
Eu não conseguia entender o que aquelas palavras queriam dizer até que a ficha caiu ,o magrão tinha falecido,não podia ser verdade,eu estava esperando ele voltar,tava cheio de coisas pra contar.Fui no velório,meu amigo estava no esquife sem vida,mas mesmo assim eu não entendia,no cemitério eu absorvi o que significava,nunca mais o veria,nunca mais trabalharíamos juntos,nunca mais.Chorei a perda de um irmão.
Nestes vinte anos nunca fui na casa dele pra uma visita,eu achava que tudo era permanente,mas nada é permanente,tudo passa,nascemos,crescemos,envelhecemos e morremos,é natural,mas ele se foi com cinquenta anos,tinha tanto pra viver e eu ingenuamente acreditava que tudo seria por muito tempo como era.
O relógio me acorda num barulho estridente,afasto o cobertor,banho,café,com a mochila nas costas sigo pro frigorífico.Absorto,vejo as pessoas passarem por mim com cara de sono,semblantes amarrados,como se não vissem as maravilhas que o dia nos reserva,o sol,os amigos.No portão cumprimento o vigia e ao entrar no pátio lá está ele em frente ao almoxerifado, jaleco azul,cabelos cor de prata,um free nos dedos,eu sorrio e ao olhar mais atentamente não tem ninguém,ninguém me espera,nenhum sorriso,abaixo a cabeça e sigo pro meu setor,mais um dia começa.